Tenho trinta minutos para escrever sobre o sistema AIC e o que é que eu posso te dizer?
Digo que ele existe e que um ponto alto de nosso sistema índio de ser, é desaparecer, fazer sumir ou aparecer, assim, “do nada”. Do nada? Não, claro que não, ou é no escuro que a gente vê? Você já viu um parente (indígena) sumir, desaparecer assim, na sua frente? Eu já, por isso é que eu te falo. E é por isso também que eu não te calo.
Você já viu a arte de fazer parar de chover, e de fazer o sol aparecer, assim, rapidinho, bastando um canto de poder? Eu já vi isso por isso quero deixar claro que o Sistema AIC é isso. Isso aconteceu em Roma, no Vaticano e era uma anciã quem fez essa arte acontecer. Fez parar de chover e fez o sol abrir pra gente trabalhar cinema para dizer o que viria agora acontecer, essa agonia toda. Nossa arte é direcionada para resguardar a vida, nunca será para entreter. É para tecer os fios coloridos da vida que estão em nossas mãos. Você não pode ver? Faça dietas sérias e vais poder, posso te garantir esse saber.
A arte indígena contemporânea está exatamente nisso, nessa capacidade literal de interagir com a ideia de além. Como é que essas coisas nossas vão caber no sistema fora da AIC? Digo que nunca caberão pois não é mesmo para caber. Esse saber é para o tempo aberto, para onde as pessoas de hoje já não olham mais. Isso não é coisa do passado. Passado para nós nunca vai existir, assim como a ideia de futuro ou outro tempo senão o eterno.
O além para nós é aqui mesmo, diferente. O além para o mundo não indígena é algo realmente além. Eu sinto muito mas quem não está no círculo nunca vai poder acessar. Respeitar é o que faz fazer parte, parte de nossa arte. A gente só está nesse “palco da Arte” para falar da existência de nossos sistemas. Eles existem independente de tudo. A gente nunca vai querer nada muito além de deixar que saibam das existências de nossos sistemas. Isso é maravilhoso sim quando a gente alcança esses portais.
A arte para nós é um estado pleno de capacidades completas. Por exemplo, quando uma entidade das águas leva alguém para a cidade do fundo do rio, nossos pajés bem preparados podem “puxar” a pessoa de volta para este mundo em que a gente vive. Então a nossa arte-sistema nunca vai estar separada da vida ou posta à parte para mera observação ou venda.
Experimentamos hoje muitas, ou alguma rara interlocução pois é mesmo necessário reinventar os mundos. Por exemplo, falando dessa arte mais comum, a fazedura de peças de barro: Non é a vovó barro. Ela é uma senhora bem artista e sabe de todas as coisas de que precisa saber sobre o barro como parte ou a arte da vida. Ela tem todas as regras anotadas em seu grande caderno de anotações e lá tem mesmo coisas anotadas sobre a morte, sim, tem.
Então eu, no meu atrevimento de artista contemporâneo, índio makuxi espevitado, me meto a “mexer” com barro. (…) paro dois minutos para jogar fumaça pro pajé (…) e crio umas peças “contemporâneas” e vou logo rezando. Rezar significa verbalizar palavras de intenção. Na verdade eu vou logo me explicando pois embora ela, a Kok’o Non, me veja e saiba de tudo sobre mim, ela quer me escutar.
Então eu peço perdão por tal atrevimento e explico as minhas razões e etc e tal… Então eu queimo as peças e as peças saem perfeitas, sem quebrar nenhuma. Então, meus irmãos isso significa o quê? Que acabou minha meia hora e que eu tive a tão sonhada Licença espiritual para criar, assim como vou viver muito para te contar. Eu tô contando pois vivo cantando.
Gratidão, vovó, sou seu aluno, minha mestra rainha da PAZ!
“Nossa arte é direcionada para resguardar a vida, nunca será para entreter. É para tecer os fios coloridos da vida que estão em nossas mãos.”
Que lindo toda essa arte-sabedoria guerreiro! A arte é um caminho fascinante e que abre fronteiras…Parabéns!